FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE:
Freud Vive!
06 de maio de 2020
Freud, em A transitoriedade (1916), traz a seguinte lembrança: “algum tempo atrás (1913), fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão, em companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem [...] O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava, porém não se alegrava com ela. Era incomodado pelo pensamento de que toda aquela beleza estava condenada à extinção, pois desapareceria no inverno, e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam criar”. Trata-se do doloroso cansaço do mundo, da rebelião contra o finito, contra a fragilidade do que é belo e transitório, revelados pelo poeta e também pela guerra prestes a eclodir, tilintando o imaginário e as ilusões sobre a vida, sobre as paisagens, sobre o humano.
Freud contesta a visão pessimista do poeta: “o valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo. A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade [...] quanto à beleza da natureza, ela sempre volta depois que é destruída pelo inverno, e esse retorno bem pode ser considerado eterno, em relação ao nosso tempo de vida [...] talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos se reduzam a pó, ou que nos suceda uma raça de homens que não mais entenda as obras de nossos poetas e pensadores, ou que sobrevenha uma era geológica em que os seres vivos deixem de existir sobre a Terra; mas se o valor de tudo quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a nossa vida emocional, não precisa sobreviver a ela, e portanto independe da duração absoluta”.
A data de hoje marca o nascimento de Freud (6 de maio de 1856) e marca também sua imortalidade quando nos lega textos tão belos e significativos, quando rompe a ideia de um tempo linear, mostrando que a duração não é uma condição de valor absoluto, quando aponta futuro em uma ilusão, em um sonho.
Freud não convenceu o poeta, mas nos convence por meio de sua obra e de suas ideias, que permanecem vivas. Neste momento de isolamento e incertezas, como não lembrar textos como “A transitoriedade”, “Luto e melancolia”, “O mal-estar na civilização”, dentre outros? Quando a palavra de ordem é sublimar, Freud ensinou, quando viveu restrições, isolamento e preconceito durante a guerra, a deixar a clínica para cuidar de seu jardim, apreciar as artes, refletir, associar, ler e escrever.
Transcendendo o tempo linear e mergulhando no atemporal do inconsciente, no tempo enquanto história, enquanto (re)significações, podemos, hoje, pensar no espaço da análise cujas conexões e associações permanecem mesmo em salas de análise virtuais, onde sonhos, ilusões, fantasias, subjetividades são contadas nos mostrando que o valor da transitoriedade é valor de raridade no tempo, que a limitação da possibilidade da fruição do belo aumenta a sua preciosidade e que a beleza da natureza sempre volta depois que é destruída pelo inverno.
Sua obra não virou pó, Freud Vive!
José Renato Berwanger Carlan (Psicanalista do CPRS, Psicólogo - CRP 07/08973)